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segunda-feira, 5 de março de 2012

Só as mães são felizes?


Mais de 1 milhão de cópias de Por Favor, Cuide da Mamãe já foram vendidas na Coreia do Sul. O livro, que também foi publicado em duas dezenas de países, está dividido em quatro capítulos e um epílogo, e a maior parte do texto está escrito na segunda pessoa, como se a mãe desaparecida fosse a voz que reaviva dolorosas lembranças ou momentos em que bastaria ter tido uma atitude diferente: “Você se dá conta de que nunca ofereceu à esposa nem um copo de água morna quando ela passara dias sem conseguir segurar a comida no estômago por causa de uma indisposição severa.” Não chega a ser um enredo dramático, mas é bastante lastimoso, cheio de culpa e ressentimentos. O livro leva o leitor ainda a conhecer algumas características culturais da Coreia do Sul, marcada por tradições, mas também por aspectos extremamente modernos. Num país onde há liberdade religiosa, Park So-nyo seguia à risca os rituais ancestrais, contribuía com um templo budista e frequentava a Igreja Católica.

Não deixa de ser interessante comparar a história dessa mãe oriental que abdica de sua própria vida – ainda que guarde alguns segredos íntimos – com a “mãe tigre” de origem chinesa Amy Chua, autora de outro best-seller, Grito de Guerra da Mãe-Tigre” (também lançado pela Intrínseca). Este não é um livro de ficção, mas uma espécie de receituário de como criar os filhos para enfrentar as dificuldades do mundo. Em vez de deixar de comer, como faz Park So-nyo para alimentar o filho preferido que ela quer que estude e se torne um homem de sucesso, Amy Chua apregoa que os filhos não devem ser protegidos das aflições e desconfortos cotidianos. Nem todas as mães orientais são iguais, como o Ocidente muitas vezes faz supor. A crítica americana Maurren Corrigan, da Universidade de Georgetown, não gostou dessa mãe sul-coreana. Para ela, o texto é complemante alheio à “cultura terapêutica” americana ao passar a mensagem de que, se a mãe é completamente infeliz, a culpa é do marido e dos filhos ingratos. “Como uma leitora americana — doutrinada nas resolutas mensagens sobre “limites” e “tomadas de responsabilidade” –, fiquei esperando por ironia, um toque cômico na trama. Esperei até o final do livro, quando entendi que essa era uma ‘soap opera’ (novela) coreana travestida em ficção literária séria”, disse.

Em entrevista a uma TV portuguesa, a autora Kyung-Sook Shin contou como surgiu a ideia do texto. “Escrevi este livro porque, quando tinha 16 anos, fui com a minha mãe de trem para Seul. Durante a viagem, olhei para a minha mãe e ela estava com um ar muito solitário. E então prometi-lhe que um dia escreveria um livro dedicado a ela”. Talvez a intenção da autora fosse apenas dizer “olhe para sua mãe”. O tom muitas vezes acusatório na segunda pessoa pode ter sido o modo que ela encontrou para dizer que não é justo que — em maior ou menor grau, que varia de acordo com a cultura ou a condição financeira das mães –, as mulheres sejam as responsáveis por todo o andamento de uma casa e a criação dos filhos. O que é certo é que, apesar desse moralismo enrustido, ou justamente por causa dele, ao final da texto o leitor vai querer dizer pelo menos um “oi” para a sua mãe.



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